Existe um mito que eu acho belíssimo. É a história de Quíron, o curador ferido, um centauro filho do deus Cronos com Filira. Metade homem, metade cavalo, herdou do pai a sabedoria, os conhecimentos de magia, astronomia e o dom de prever o futuro.

Além disso, era conhecedor das artes e da música. Certa vez, quando seu amigo Hércules matou o monstro Hidra de Lerna com cabeças envenenadas, acidentalmente o feriu na coxa com uma das flechas saturadas de sangue do monstro.

Quíron, embora imortal, não conseguia curar a si mesmo, ficando condenado a viver em sofrimento. Ferido e com um ponto sensível que doía ao ser tocado, reconheceu que possuía uma vulnerabilidade.

Ele se torna então, o curador ferido, aquele que, por meio de sua própria dor, é capaz de compreender a dor dos outros.

Eu olho pra esse mito e reflito sobre tanta coisa! Quantas vezes fui tão machucada em uma área da minha vida, a ponto daquilo se tornar uma ferida que incomoda, lateja, não fecha.

Quantas vezes, mesmo assim, eu amei a ferida que eu não queria curar? Isso vale pra tanta coisa, sabe. Os relacionamentos afetivos amorosos que se encerram rápido, o trabalho que não realiza, as relações familiares que adoecem. A carência, o medo, a síndrome do impostor, a dependência emocional, a baixa autoestima.

E então, um dia, decidi olhar pra todas essas feridas. Algumas de anos, até. Não necessariamente todas ao mesmo tempo. E de repente (ou através de um longo processo de aceitação, autoconhecimento, terapia, espiritualidade, etc) passei a tirar alguns band-aids, admiti minha cota de responsabilidade sobre cada uma, passei a me tratar com mais carinho e a cuidar com amor dessas feridas.

Onde fui ferida pelo Amor, decidi me dar esse amor primeiro e ficar tão cheia, tão cheia, que ele não tem outra saída senão transbordar. Decidi falar disso, apesar da vergonha e do julgamento. Decidi expor minhas vontades e meus anseios de coração e de afeto. Decidi amar, no lugar de esperar ser amada.

Onde fui ferida pelo Medo, decidi aceitar que não posso controlar tudo, que a vida quer de mim coragem e confiança. Entendi que devo ter bem claro os limites do medo que me protege do medo que me paralisa. E que uma boa saída às vezes é simplesmente ir, se permitir, viver, de mãos dadas com o medo. Mostrando pra ele que, no fundo, não há nada a temer.

Onde fui ferida por achar que não era boa o suficiente, decidi me dar uma chance a mais. Decidi falar minha verdade. Abrir mão do perfeccionismo, do ego, da necessidade de aprovação alheia. E percebi que não precisava ser boa. Eu podia ser só eu mesma.

Todas essas feridas e tantas outras continuam aqui, estão sendo tratadas devagarzinho. Algumas sei que talvez o tratamento leve toda a minha jornada. Outras já estão cicatrizando. Não tenho a pretensão de ser curadora de ninguém, nem acho que “curar” os outros vai estancar minhas feridas. Eu só decidi mesmo olhar, falar e escrever sobre elas. Tem sido interessante esse caminhar.

Meu instagram: https://www.instagram.com/textosdamanuela/

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