Se for fazer algo errado, faz bem feito

“Ele tá viajando demais nos últimos meses”. Saio do meio do edredom, as garras dele me envolvem num abraço tão apertado, friozinho, pra quê levantar? Ódio. Tudo culpa desse fdp. Sento a bunda na cadeira, abro o notebook. “Como descobrir se uma pessoa é casada”. Primeiro link. “Consulte o cartório de registro civil, humm, pesquise registros públicos”. Nunca gostei da área de família, mas sei que os cartórios já estão todos online, consigo tirar uma certidão. Deixa eu pedir aqui em nome dele, abrangência nacional. Link dois, “converse com a pessoa diretamente”. Já perguntei se tá casado com outra, jurou pela mãe mortinha que não. Mas é mentira. Treme a pálpebra esquerda toda vez que mente. Três, “use ferramentas e serviços especializados”. Pra quê? Eu sou quase do FBI. Criei uma pasta para coletar evidências. No histórico têm aparecido bastante o nome de Santo Antônio dos Milagres, Piauí. Essa rota é nova, não faz parte das costumeiras que ele faz. Acho que ela mora lá. Cidade de dois mil e trinta e oito habitantes, segunda menor do Estado. Foi longe, viu. A certidão chegou, no meu tempo as coisas não eram rápidas e práticas assim. Amo a tecnologia. Casou de novo. Para que casar, animal? Já não tava casado comigo? Ele precisava mesmo oficializar com essa outra? Dessa vez vou ter que fazer ele ser preso. Do que lembro das aulas de penal, é crime, quer ver? “Artigo duzentos e trinta e cinco, dois pontos, bigamia. Contrair alguém, sendo casado, novo casamento. Pena: reclusão, de dois a seis anos”. Já tô me divertindo com a cena, ele enjaulado. Distância de São Paulo para Santo Antônio dos Milagres. Trinta e três horas. Como será a cara dela? Ela sabe? Vou lá conferir, talvez tenha sido enganada. Corta para mim, dois dias depois, no interior do Piauí. Chego no hotel, no centro da cidade. A dona me recebe, conversadeira. Sabe da vida de todo mundo, cidade pequena. Dou corda, digo as características dele – 1,79, barriga de chopp, riso fácil de safado. Ela me conta onde ele fica na cidade, é marido da Mariana, casaram recentemente. Tem nem dois meses. Mas já tem um bebê de um ano. Durmo mastigando essa informação. Agora, além de enjaulado, quero ele espancado na cadeia. Capado também. Vou contratar alguém para fazer isso lá. No dia seguinte, bato na porta da casa amarela, a única com flores brancas no jardim. Uma mulher de cabelos em cascata de cachos abre a porta. Olhos amendoados, castanho quase verde. Um pecado de lábios grossos, formato de coração. Ela me fita por cinco segundos. Inferno! Agora eu quero me casar com ela também.

Por Manu Silva

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