Em tempos de #blacklivesmatter e de #blackouttuesday, é impossível pra mim, como mulher e advogada negra, não refletir sobre tudo isso que está acontecendo. O racismo é uma realidade tão cruel, tão dolorida, que muitas vezes a gente que já passou por isso prefere não ver. Não comentar.
Ou então você alisa o cabelo, sua pele não é retinta (“mas você nem é negra, sua pele é clarinha, morena”, ouvi muito) e você “embranquece”. E aí esquece um pouco quem você é. Se adapta. Mas ultimamente não tem sido fácil, sabe. Aí eu lembro: lembro das críticas aos meus cabelos cacheados quando era criancinha; lembro de ter sido sempre a “melhor amiga”, mas nunca a escolhida; lembro de não ter tido muitos colegas negros na minha sala na universidade; lembro de não ver muitas pessoas negras nos restaurantes chiques; nem como donos de empresas; nem em cargos mais altos.
Lembro de ter a sensação de que “quanto mais eu subo na escala social, menos pessoas negras eu vejo”. Lembro de que decidi fazer transição capilar para voltar a ter meus cachos e ouvir que “isso não é cabelo de advogada”; “acho que esse estilo de cabelo não combina com quem você tem que ser profissionalmente”; “nenhum juiz vai respeitar você assim”.
Lembro de algumas caras de choque quando as pessoas descobrem que sou advogada (“racismo de surpresa”). Lembro de já ter sido considerada várias vezes a preposta e só ser chamada de advogada após apresentar minha OAB. Lembro que tenho que andar sempre impecável, muito bem alinhada, pra assim ser considerada “alguém competente e de acordo” com a minha profissão. E lembrar disso dói.
Dói porque isso me lembra porque muitas vezes me sentia inadequada. E é isso que o racismo faz: ele faz a gente achar que o erro está na gente, que nós somos seres “inferiores”, que somos inadequados. Que esses lugares de destaque, de poder não nos pertencem. E se ousarmos avançar vamos ser chamados de “metidos”, “arrogantes”. E se falarmos disso tudo, será “mimimi”; “pessoas pobres também sofrem preconceito”; “pessoas brancas também sofrem preconceito” (esses é um dos que mais dói de ouvir – racismo reverso).
Mas é preciso olhar pra isso. Isso nos acompanha enquanto país há muito tempo. É fácil ser uma advogada negra? Não, não é. Você tem que demonstrar duas vezes mais sua competência. E só nós sabemos o custo emocional e a solidão às vezes dessa cobrança.
Pra esse dia, dia de telas pretas, eu queria dizer as demais pessoas negras: você não está sozinho. E as pessoas brancas: estudem, leiam, conversem com pessoas negras e sobretudo, escutem. Escutem de verdade. Ouvir, principalmente, a fala do outro, a dor do outro, pode te fazer compreender coisas que você nunca viveu e estar longe de saber como é. Eu espero muito que possamos vencer isso um dia. Eu ainda tenho um sonho.
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