Ouço vozes. Uma delas usa seu tom de sirene e me diz: “Você tem que ficar, é seguro. Como você vai viver? Não tome decisões precipitadas. Se ponha no seu lugar. Ninguém precisa disso que você quer oferecer. As pessoas nem sabem o que significa. Você vai passar fome. Não saia!”
Ela quer cuidar de mim. Me proteger. Me diz que estou cansada. Essa porra de começar e recomeçar. De ter que provar meu valor. “Você sabe como é vergonhoso ir até as pessoas e se vender? Que humilhante ter que se expor, por que você não fica onde está? Ou então faz concurso. Você não precisará ter um perfil profissional, com fé em Deus. Se esconda, se proteja. Você não precisa disso”.
Deveria me sentir abraçada e acolhida pelas suas palavras de lucidez. Mas estou na frente do computador há duas horas, o cursor piscando, sem terminar a palavra Embarg de decl. Digo para a voz: não é que eu não goste de advogar. Minhas desilusões foram com parcerias erradas. Foi exaustivo conviver com quem não olhava para a mesma direção que eu. Não gosto dos litígios. O Judiciário tá caro, demorado. Falta classe, gênero e raça nos julgamentos.
Gosto do preventivo e consultivo. Antecipar situações, fazer planejamentos, trazer estratégias possíveis. Estruturar coisas. Ensinar, aprender, espalhar sementes. Gerar mudanças profundas em quem quer descer até as profundezas comigo e voltar carregado de tesouros. Curto organização, qualidade de vida e uso inteligente da tecnologia no dia-a-dia.
A voz de sirene se cala. Ouço outro som, sutil. Águas descendo em um rio calmo. Ele me diz:
“Lembre-se de quem você é. Você não vai se tornar nada, seja apenas você mesma. Seu cansaço não vem do recomeço, mas de todo dia querer performar alguém que você não é. De ser silenciada, sem poder jorrar para o mundo as coisas que vive e acredita”.
E continua: “Encare a sirene, dê nome a ela. Autocobrança. Medo. Mire em seus olhos como quem encara um tigre selvagem prestes a te devorar e diga: Não preciso estar perfeita para começar. Vou me arriscar mais, me expor mesmo que isso signifique decepcionar outras pessoas. Mesmo que seja julgada, cancelada, desaprovada. Mesmo que eu fracasse. Você não vai mais me parar”.
A sirene grita mais alto. A voz se agita. Atravessa meu corpo, dispara meu coração. Minhas mãos suam frio. Ela se materializa, usa a boca de pessoas: “falei com outras pessoas e ninguém conhece isso que você tá falando. Eu não contrataria esse serviço. Você tem certeza que vai conseguir?”
Mas eu já entendi. Quanto mais ela grita, mais medo. De ser abandonada, não mais ouvida. Passo a não mais me importar. O som das águas se torna música em meus ouvidos. Muros que existiam em volta de mim se rompem. Estou exposta, nua.
Finalmente livre.
Por Manu Silva
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